Homens Loucos VI

Tu decide que não quer mais nada de romance na vida, que só vai pegar para fins fisiológicos e era isso. Daí aparece um cara muito legal, todo mundo te diz que ele está apaixonado por ti. Depois de muitas gentilezas, tu dá uma pequena abertura ao rapaz.

Pronto! Surge uma declaração daquelas de cinema, de tirar o fôlego, e tu resolve engolir tudo que disse sobre não viver mais nenhum romance e te joga nos braços dele. O sexo é ótimo, jantar à luz de velas, passeios no final de tarde de domingo. Cruzes! Até parece um conto de fadas, corações e violinos com cupidos ao redor.

Em um destes lindos jantares, ele segura na tua mão com os olhos marejados e diz: “Não quero perder isto que estamos vivendo, estou muito feliz”. E, naquela mesma semana, SO-ME COM-PLE-TA-MEN-TE.

Concluo que está viajando, trabalhando muito, mas depois de três dias resolvo ligar, não atende, ok, deve estar em reunião. Mando mensagem, não responde, fico em silêncio também. Mais dois dias, envio um e-mail perguntando se está tudo bem, se vamos nos ver no final de semana. Resposta: “Acredito que devemos nos afastar para nos preservamos. Por favor, não fica triste comigo. É um afastamento estratégico”.

Triste não fiquei, e sim puta da cara. Juro, juro que não sei qual a moral da história, e agora já não quero mais saber. E, quando digo que não acredito mais no tal do romance, as pessoas ainda duvidam.

 

This is not a love story

[zilla_alert style=”white”] By Francine Desoux, do Opostos e Dispostos  [/zilla_alert]

Importante deixar claro desde este primeiro momento: esta não é uma história de amor. Acho necessário começar qualquer história – inclusive aquelas com final previsto – falando a verdade.

Sendo assim, sem falsas expectativas; qualquer página aqui escrita não será aproveitada no roteiro de alguma comédia romântica.

As palavras deixavam a boca de Mallu de forma segura. Sem titubear ela apresentava a verdade para aquele completo estranho sentado do outro lado da mesa de café.

Há pouco mais de três semanas, eles se conheceram na fila da lotérica. Ela pagando contas, ele apostando na sorte.

Desde aquela tarde chuvosa os dois se encontraram 7 vezes.

Mallu é solteira há 29 anos (isto é, desde sempre), enquanto ele, o cara, acaba de sair de um relacionamento. Nenhum dos dois quer saber de love stories, porém apenas Mallu faz questão de deixar bastante claro.

Ela só esqueceu de passar esta informação à vida.

Nestas três semanas, ela e o cara têm se falado constantemente.

O café da manhã costuma ser o tema da mensagem número 1 do dia; isso quando o sonho da noite anterior não chega primeiro. Ao longo das 24 horas seguintes, discutem as notícias do Bom Dia Brasil até o melhor restaurante para jantarem na semana que vem.

Mallu conta sobre sua dissertação de mestrado durante horas enquanto tomam vinho. Ele a escuta, oferece diferentes abordagens sobre o tema e apresenta a nova música do Radiohead.

Quando a taça de vinho deixa a mesa da sala e encontra um novo espaço na cabeceira da cama, o tema da conversa já não é mais a economia mundial. O vestido de Mallu, que tem botões em local estratégico, ganha toda a atenção. A música, em alto som, mascara o que as paredes testemunham.

Na manhã seguinte, ela acorda apressada, veste o vestido e ignora os botões celebrados na noite anterior.

A pressa da sua partida será o tema da mensagem seguinte. “Estava atrasada para um compromisso”, justifica sem a menor vontade de explicar qualquer coisa.

E o balé da noite segue por semanas e semanas. Enquanto ele adormece diante do prazer de horas em boa companhia, ela corre para fugir do café da manhã mais uma vez.

“Esta não é uma história de amor”, diz para si mesma enquanto toma banho na casa dele.

Mallu viveu a história – que não era de amor – durante um ano e quatro meses.

Saindo correndo em mais uma manhã, ela abriu o armário do banheiro para pegar um pouco de pasta de dentes e deu de cara com uma escova de cabelo feminina e uma segunda escova de dentes no copo.

Ambos eram dela, apesar de aquela não ser uma história de amor. Ou talvez ela não conheça esse tipo de literatura.

Aquele seu sono silencioso quase profundo

By Gilka

Você estava dormindo aquele seu sono silencioso quase profundo e sempre atento a qualquer movimento meu. Eu sempre soube que você estaria atento. Por isso eu nunca vasculhei suas gavetas, nunca abri seus livros, nunca tentei acariciar sua pele, enquanto você dormia. O medo de ser descoberta, mesmo que já não houvessem gavetas, nem livros. Eu já não tinha mais o que descobrir. Você já não podia esconder coisas de mim. Eu havia crescido, e agora tudo era meio óbvio, meio claro, até meio sem graça. Completamente sem graça, suas gavetas tão organizadas.

E enquanto você dormia, eu pensava naquele convite para viajar amanhã. E naquelas outras coisas tantas que estavam programadas para o fim de semana. Eu, sua hóspede parasita, uma calada falante. Esgueirando-me pelas conversas, tentando lidar com esse desejo. Ser eu mesma ou ser educada? Com licença, por favor, obrigada. Desculpa, mas talvez fosse melhor eu ficar só. Ir caminhar pela Paulista entre os prédios e sentir o concreto sobre minha frágil visão dessa vida capital que tanto sonhei. Mesmo que você preferisse um programa onde houvessem pessoas e não este sem nomes, nem parentescos, com faces desconhecidas, fumaça e fuligem.

E enquanto você dormia, eu resolvi te enganar, e fingi que você não iria ver, mas eu sei que viu. Levantei sem fazer barulho e sai para a sacada. Fui fumar e pensar que seria de bom tom aceitar o convite, apesar de querer ser egoísta e querer ir para outro lugar. Sozinha. E você iria brigar comigo, assim de leve, bem de mansinho. Ou, se não brigasse, iria ficar pensando que eu era diferente, esquisita, meio lagarta fazendo casulo pra se transformar em algo.

E enquanto você dormia, eu esqueci do convite e da minha vontade. Fiquei olhando pra cidade. Para aquelas tantas outras sacadas acesas e apagadas de outros tantos prédios. Aqueles de um por andar, sabe? Traguei minha urgência de ter uma sacada igual àquelas com flores e mobília atrás da parede. Ter alguém pra sentar no sofá, e ficar assim por dias sem sair. Nem para ir na padaria ali na esquina da Vieira de Moraes. Mas eu não lhe acordaria para falar dos sofás e de como queria você sentado neles. Tudo porque você um dia disse que eu tinha algo diferente por dentro, algo assim quase borboleta. Não disse? Desculpas, fui eu que pensei que, e me apaixonei. Mas você realmente acredita em mim. Mas realmente, eu não.

E enquanto você dormia eu te olhei da sacada, segurando o cigarro com o braço esticado sobre a rua. Seu corpo silencioso, descoberto do lençol. E lembrei que desde o primeiro olhar eu soube que meus sentimentos e meus desejos ficariam retidos atrás dos meus olhos e jamais tocariam as minhas mãos, quanto mais seu corpo. Ah, se você ouvisse meus pensamentos agora, diria que isso é bobagem. Falar de sentimentos é uma grande bobagem. É difícil, é arriscado, é muito arriscado. Eu mesma tenho medo. Porque o cigarro sempre acaba no ápice da conversa, e aí eu não consigo dizer mais nada. Dizer que queria você na Paulista comigo e mais ninguém.

E justamente quando meu cigarro acabou, eu decidi que não haveria mais fraqueza ou dependência. Decidi que escreveria uma nova história, talvez interessante, inspirada em alguma instalação do Masp, sem a sua ajuda e sem os seus modelos. Modelos de sacadas floridas e com sofás e com pessoas sentadas e com parentescos e com gavetas e com eu-faria-isso-no-seu-lugar.

E enquanto você dormia eu continuei escondendo coisas de você, em silêncio, e mesmo assim, você ouviu, porque estava dormindo aquele seu sono silencioso quase profundo e sempre atento a qualquer movimento meu. E como estava atento, viu também quando deitei-me na outra cama, e dormi meu sono barulhento, metafórico, que teima em não aceitar que você preste tanta atenção em mim e não me ame.

Homem breja

[zilla_alert style=”white”] By Jan [/zilla_alert]

A cena é clássica. O cara no bar levanta o braço e pede: “Aquela loira estupidamente gelada!”. E vem o garçom trazendo uma garrafa de cerveja.

Quando o mercado introduziu tipos diferentes de cerveja, começaram os apelidos: “Aquela negra gostosa!”, “A ruiva deliciosa!”. Cerveja sempre associada à mulher.

Na minha opinião, “A Cerveja” deveria ser “O Cerveja”. Sabe por quê?

A cerveja é, sim, gostosa, deliciosa e desejada. Mas o fato de pensar que ela é uma loira, ruiva ou índia acaba com o meu tesão. Além disso, as cervejas não são tão superficiais a ponto de serem classificadas pela sua aparência.

A maior prova de que a cerveja se tornaria uma mulher indesejável é a famosa ruiva IPA. Se fôssemos classificá-la adequadamente, características desagradáveis como amarga, robusta e forte seriam evidentes. Imagina a “coroa” Barley Wine, que se toma envelhecida? Como mulher, tenho que admitir que acho tudo isso muito atraente em homens.

E, convenhamos: colarinho fica bem em homem. Não em mulher.

Como seria o “loiro”, por exemplo, na visão das mulheres? Existem vários: os pale ale, os belgas, os de trigo, os loiros mais claros e os loiros quase castanhos. Aquele loiro que se enquadra como american lager é adorado por 99% dos consumidores de cerveja. Ele é do tipo que atrai pela aparência: loiro levemente dourado, com um belo colarinho sempre e visível carbonatação que faz a gente salivar nos dias quentes. Mas ele é leve, claro e não é muito amargo. Não possui muitos aromas diferentes e nem usa muito perfume. Por não ter uma personalidade muito forte, é muito fácil de beber. É um loiro aguado que às vezes se usa de alguns instrumentos (chamados adjuntos ou cereais não maltados) para se manter. Mesmo assim, o american lager é um cara que agrada a todos e preferido pela maioria.

Eu não gosto dos caras sem personalidade. Por isso, geralmente eu me interesso por outros menos populares – e prometo falar de outros caras mais interessantes no futuro.

Carrrminha in POA

[zilla_alert style=”white”] By Carminha [/zilla_alert]

E não é que agora Carrrminha está nos pampasss?!! Para quem estava com saudadesss eu só tenho um aviso, estou cheia de histórias para contarrrr, e pra quem não me conhece segue o link, porque Carrrminha não é mulher que se apresenta duasss vezesss.

Depois de rodar o mundo (sim, meu bem, Carrrminha é mulher do mundo e não mulherrr mundana), fiz uma rápida parada na terra da garoa. Abalei as estruturas da cidade que não para, mas confesso que achei os paulistanos muito complicadosss, e, o pior de tudo, não sabem flertarrr.

Após alguns anoss São Paulo ficou desinteressante, afinal de contasss Augusta, Itaim Bibi, Jardinsss, Lapa já estavam pequenos demaisss para mim.

Resolvi experimentar novosss lugaresss do nosso lindo Brasil, tomei um rivotril com uma dose de whisky, peguei o mapa do Brasil e o escolhido foi: Rio Grande do Sul.

Cheguei na primavera, desabrochando como um ipê amarelo. Adorei esta coisa tentando imitar a Europa, totalmente paradosss na década de 80, porque recordar é viverrr. Não me perguntem sobre as guriasss, porque Carrrminha não percebe as outrass, porém, os gurisss: oh, coisa boa! Uma coisa macho, te olhando com aquela cara de “te pego agora e faço horroresss”.

Mas assim, né?! Como em qualquer lugar do mundo muitosss só prometem e na hora não conseguem cumprirrr. Mas tudo bem, esses Carrrminha anota no celular: “não atenderrr”, e está tudo resolvido.

Agora estou me dedicando a aprenderrr as gírias locais, são váriasss, uma hora dessas eu conto pra vocêsss. Agora me dêem licença que tem um guri lindo aqui do meu lado dizendo que é a minha vezzz na roda do chimarrão. Estou adorando esta coisa de bomba quente!

5118860571_0d5d3772b2_b

Meridiano

By Gilka

Era o dia mais quente, mais ensolarado, mais verão desta cidade inverno. Nos encontramos turistas, passageiros de nossas existências na definitiva viagem acidental desta conexão que até então ignorava fronteiras. Língua materna estrangeira.

Produtos da era digital, criamos um porto navegando análogos desabafos. Escassos caracteres recortando o plausível, publicável, glamour lamentável. A imagem da suposta felicidade online, ondemand, ordinária. Redes de barreiras emocionais. Súplicas veladas. Melodias inacabadas. Almas nunca incondicionalmente amadas.

Viajamos rio acima até onde os hemisférios se encontram. Nossos vazios tão completos. Até que cruzamos o meridiano. Aquele que divide a amizade de qualquer outra coisa ainda que milhas da eclusa de nossos corpos. A cancela do abraço. Longitude latente. Permanência covarde. Fugiste.

Era o dia mais perfeito. E já não te quero mais visitante neste meu hemisfério. Meridiano medíocre.

Cinco anos

No dia em que fiz 35 anos percebi que faltam apenas cinco para os 40.

Crise? Acho que não, minhas crises não são em relação à idade e sim em relação ao que construí e aprendi até hoje. A construção de patrimônio material não existe, mas sem dúvida a construção interna e o aprendizado estão indo de vento em popa. Já me perguntei algumas vezes se não corro contra a maré, tendo em vista que boa parte das amigas de longa data são casadas, com filhos sendo criados ou em produção, formadas e com todas as titulações possíveis. E certamente chegarão aos 40 realizadas – ou não.

Mas o que é a maré?! É fazer exatamente o que a sociedade espera de nós?!

Mas não fomos nós, lá nos nossos 20 e poucos anos, as modernas que defendemos os direitos iguais, independência financeira e psicológica? Nesse ponto sem dúvida eu represento e muito a classe.

Não acho certo ou errado ser casada, ter filhos e tudo mais, mas por favor não me olhe com cara de desdém quando eu digo que tenho 35, sou solteira, não me formei, não tenho filhos e nem sei se os terei. Se isso acontecer, irei lhe contar tudo o que já vi e fiz, e ainda faço.

Então, sobre meus 40 anos, espero e trabalho para que seja uma década de muitas alegrias, quem sabe um amor, com ótimas viagens, com um dinheiro no bolso que não faz mal a ninguém. Desejo, sim, que eu nunca perca a curiosidade pelo meu aprendizado interior, que eu continue me divertindo com as coisas boas e simples da vida. E que todos errem minha idade para uns cinco anos a menos.

000014 by Viljar Sepp on Flickr

Na pista

“Você dança como eu escrevo.” Essa é a frase que eu uso pra me desculpar por não dançar com você. Não posso tanto. Preferia até que não houvesse o pedido, pra que eu não tivesse que negar.

Embora você tenha o tom exato, eu não posso. Eu não gosto de ser o centro das atenções – e a festa inteira olha pra você. Além do mais, eu não sei dançar, não assim desse jeito como você dança. Perfeito.

“Eu não queria você pra dançar.” Isso é o que eu respondo, meio sem-vergonha, um tempo depois, quando você puxa assunto no bar. Você responde sorrindo, ah, o sorriso. Você entendeu.

Quero deixar claro que gosto de você. Porque eu gosto, muito. Gosto mesmo sem saber que você curte Leminski e viagens. Que faz música. Seria suficiente. Gosto sem ainda nem desconfiar que você, além de dançar e sentir, também reflete. Que tem consciência política e preocupação social. Perfeito.

“Não tenho ciúme.” É o que eu penso que vou dizer enquanto você escorrega pela pista com várias meninas diferentes. Suas mãos firmes conduzem com a destreza que as minhas agora correm no teclado. Quando está dançando, você não olha pra mim. Não olha pra ninguém, está inteiro nos passos e figuras. Não tenho ciúme porque é bonito ver você dançando.

Vejo você dançando e penso: “Eu teria dito isso tudo se você tivesse falado comigo”.

 

Vírgula

…uma das poucas pessoas que não tenho medo em dizer qualquer coisa. O resto do mundo, sabe como é, sempre se ofende com alguma vírgula…

Blog at WordPress.com.

Up ↑