Como um filme

By Gilka

Como um filme. Foi isso que ele disse entre uma tragada e outra. Com aquela cara de quem tinha encontrado a explicação que tanto procurava para dizer tchau, fechar a porta do meu apartamento e ir embora para casa com a consciência limpa. Não importavam as incontáveis noites que passamos juntos, especialmente aquela de janeiro quando tudo começou. Não importavam as viagens que fizemos ou aquela sensação de plenitude de sentar ao seu lado enquanto ele dirigia. O frio cortante e os casacos elegantes que usamos na primeira viagem a Nova Iorque. Essas coisas não eram cinematográficas o suficiente, quiçá a cumplicidade magnética de nossos corpos.

O filme era uma historieta curta, muda, em preto e branco. Continuou a explicação enquanto meu sangue gelava. Ele já havia vivido aquilo com todas as outras, talvez os outros, talvez as coisas, qualquer uma das coisas daquela vida sem roteiro. Tudo rodava, repetia, terminava. Porque era um filme – zinho – tinha que acabar. Segundo ele, o final fora escrito para qualquer um, eu, ele e inclusive você. Lembro de debater, insistir, mas nada adiantou. As luzes se acenderam e a sessão acabou.

No mesmo ano eu vendi tudo o que tinha. Os discos, os móveis, o aparelho de som e o piano onde havia composto um trilha para um de seus filmes. Filmes de verdade daquele cineasta em formação. Atravessei o oceano e fui fazer cena em outro lugar, esquecer deste curta longa metragem.

Dez anos se foram e até hoje o tal do filme não entrou em cartaz sequer uma outra vez no meu cinema. Acredito também que nada do gênero tenha estrelado na vida desse ator. Que estava errado em suas projeções dentro e fora da tela.

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