Saudade de um tempo que não aconteceu, que não conheci. A interação com esse sentimento, aparentemente sem motivo, faz com que me reporte aos antepassados muito remotos. Nesse momento, a minha memória genética indica uma lembrança nostálgica. Retorno a um passado que não lembro ter vivido, mas sei que pertenço a essa história, a essa árvore genealógica.
De volta ao pretérito, sou de outra raça e estou à beira da morte acometida por banzo. Sinto-me acorrentada na senzala que me condena pelos caprichos dos brancos. Saudade das minhas raízes escuras, da cor da terra que dá vida à vida. A vaidade dessa gente clara provoca afetuosas lembranças do meu povo negro da África.
Saudade do que nunca foi e nunca será na minha atual existência. Percebo que também sou responsável pelo racismo, preconceito e diferenças sociais. Tenho minha porção na história pelo tempo que assumi o compromisso da impotência. Também agi com intolerância em acreditar que era mais do que alguém só porque minha cútis é desbotada.
Ao mesmo tempo, me permito admitir que minha atual raça é tão popular quanto o eterno exibicionismo do homem branco. Êta corzinha corriqueira! Até parece um punhado de areia que pode ser encontrado em qualquer esquina. Como pode a raridade de uma pele negra não ser mais valorizada do que a branca? No meu ponto de vista, essa lógica é ilógica. Nessa inversão de valores sinto pesar pela ausência do curso natural da vida.
Saudade da saudade que não veio, da idade que não chegou, do amor que não aconteceu, do filho que não foi gerado, da morte que um dia reinará. Saudade da negra que não lembro se fui e da princesa Isabel que gostaria de ter sido. Vontade de retornar ao oceano que não foi meu habitat; sinto a necessidade de escutar a cantiga da terra entoada pelo marujo em alto-mar.
Rebenqueada das saudades dos pampas que passei, deixei a separação do meu eu solidão, do arcaico soydade ou da eterna soledade de uma rainha sem fronteiras. Graças a esses limites liberados é que adentrei no encafifado mundo da razão. É nesse paraíso que me dou o prazer de afetuosas lembranças que servem para o meu aprendizado. Nesse trajeto de planícies e planaltos, consigo me abastecer com a saudade da lembrança esquecida e da solidão que ficou nos meus pagos. Que saudade dessa saudade que está indo embora!
Foto: Benjamin Earwicker/Stock.xchng
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