Vinte e oito

O texto a seguir não foi escrito por uma Mulher de Quinta, mas cumpre a função de apresentar nossa nova colaboradora: a Carminha! Nossos mais sinceros agradecimentos ao “apresentador”, que, de coração, sempre foi de quinta.

Camden Town, London, UK  - May 2005  - Patrick Nouhailler  ©
Camden Town by Patrick Nouhailler on Flickr

“Olha só, eu tenho uma grande amiga que também está indo para Londres no dia vinte e oito.” Grande coisa – todo mundo vai pra Londres! Pensei, mantendo meu sorriso confiante de mala feita. “Ela é carioca, mas cresceu aqui em Poa. Vive perdida pelo mundo.” Isso era uma quinta, e o e-mail anotado no guardanapo – “carminha arroba hotmail ponto com”.

Um oceano, quatro casas, sete room mates depois, seis graus abaixo, eu resolvi escrever para essa tal mulher. Combinamos em um pub muito grande, fétido como todos os outros, junto à estação de metrô dos punks e hippies. Tal qual a descrição – não existia Facebook –, lá estava aquela mulher de salto, jeans, blusinha tomara-que-caia, jaqueta de pele, incontáveis pulseiras barulhentas e um pára-brisa Dolce & Gabbana frente-única, de dobrar a esquina das orelhas. Olhamos um para o outro em silêncio de quem não fala a mesma língua. Carminha atirou primeiro. “Tu és gay? Não és?” Vaca! “Tua mãe fazia terapia freudiana e tu continua gastando dinheiro com terapeuta” – respondi, já amando Carminha. Assim foi o primeiro uísque e a primeira verdade que batemos em cara.

Depois foram os supermercados e os problemas de família. Os produtos budget da prateleira mais debaixo e o pai alcoólatra. A mãe e o seu amante foram conversados sobre o balcão de congelados. Levamos todas as nossas mágoas e traumas para passear nos mercados de rua. Comprando roupas de segunda mão, Carminha apontou que eu era grosseiro com as mulheres, de uma forma bem direita, tá, assim, na minha opinião né – eu acho. Eu disse outras tantas, mas Carminha tinha quinze anos a mais no passaporte. Nunca soube o que havia lhe penetrado a maquiagem espessa.

Até que rolou um quarto vago no apartamento de Carminha. Éramos então vizinhos de porta. Carr’minha e Giubérr’to usando o mesmo esfregão para limpar a mesma privada.

Quando aconteceu que alguém me ligou pedindo para ir à opera e jantar. Na passada para o banheiro, avistei Carminha subindo as escadas. “Querida! tu nem sabes. Ele me convidou. Vou levar aquela balinha que tu me deu de presente. Parece que ele também nunca experimentou.” Carminha continuou o trajeto para seu quarto, jogou o cabelo e olhou para mim. “Ai, que legal.” Com o corpo já dentro do quarto, a porta se fechou. Retornei para casa no dia seguinte uma única certeza: eu precisava dividir com Carminha. Bati à sua porta. “Ai guria! aquela coisa não deu nenhum barato, mas fez a gente falar tudo. Estamos juntos outra vez! Thank you, darling.” Carminha não tinha mexido os olhos – ainda. E tampouco se importou em movê-los. Ali, na mesma posição desde que tinha aberto a porta, falou em um acorde só “Que bom pra ti”. A porta se bateu. Era dia vinte e oito.

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2 thoughts on “Vinte e oito

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  1. Fui eu, fui eu que te passei o e-mail dessa mulher glamourosa! Viu? Não fui pra Londres, mas as melhores dicas são as minhas, hahaha.

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