O óbvio

Esses dias me peguei olhando ansiosamente para o celular, msn, orkut e meus dois e-mails, só pra ver se tinha algum recado dele. E disse a mim mesma: RIDÍCULA!!!

Comecei a lembrar do tempo em que não havia internet em qualquer lugar, que para acessá-la era só no trabalho, e olhe lá. Sem falar no preço do computador, que sempre foi artigo de luxo.

Voltei mais além no tempo e lembrei que celular já foi algo que só alguns privilegiados podiam ter – era preciso se inscrever para, quem sabe, conseguir um e, depois, ter muita grana pra pagar a conta. Definitivamente, eu estava fora desse grupo.

E voltando um pouco mais no tempo: houve uma época em que só havia telefone fixo, e o meu volta e meia ficava assim meio mudo, calado, porque a grana volta e meia ficava curta. Houve um tempo também em que eu nem tinha o tal telefone fixo, então dava o número de uma amiga, caso o cara quisesse manter algum contato.

O-obvioE depois de relembrar, e de muito rir, do meu passado sem nenhuma tecnologia, concluí o óbvio: se o cara tá a fim ele te procura, dá um jeito de te encontrar, nem que seja com pombo correio ou sinal de fumaça. Então fiquei mais tranquila e parei de pensar nisso tudo, até larguei o celular num canto, desliguei o computador.

Depois de algum tempo, fui ver que horas eram (no celular, é claro, porque já deixei de usar relógio há muitos anos), e não é que havia uma mensagem?! “Te vejo hoje?” Era ele perguntando.

 

Foto: Janusz Gawron/Stock.xchng

Papo viajante

“El verdadero viaje al descubrimiento no consiste en cambiar de paisaje, sino en mirar con nuevos ojos.”

Não é fácil sair do lugar. Quanto mais tempo, mais difícil é sair. Lá pelas tantas a gente nem vê saídas. Isso serve para relações, trabalhos, moradias, tudo que possa se transformar de prazer em hábito, hábito em rotina, rotina em prisão.

Comigo foi assim: fui acostumando, deixando pra pensar depois, deixando a vida me levar. Rotina, leva eu. Nessas, acabei deixando pra depois aquilo que pra mim é sentido da vida: viajar.

Todo mundo gosta de viajar. A palavra está associada a descanso e lazer – paraíso à beira-mar, foto na Torre Eiffel. O difícil é encontrar quem realmente goste de estrada. Além das desculpas tradicionais – pouca grana e pouco tempo, falta de companhia e até trânsito ruim –, quando se contrapõe uma visão diferente da coisa surgem as justificativas menos óbvias: ah-eu-não-vou-ficar-num-pulgueiro, ah-mas-eu-quero-ir-pra-europa, ah-viajar-sozinha-é-perigoso. E assim a gente não sai do lugar.

OPapo-viajantek, ok, alguém vai dizer que para tirar férias é preciso conforto e segurança, básicos para se relaxar. Só que viajar vai muito além de férias e relax: viajar é conviver com outras formas de ver o mundo, conhecer gente diferente, que fala e pensa diferente, outras paisagens, outros jeitos de resolver as coisas.

Não precisa ir longe e nem é caro: às vezes a grande viagem pode ser feita no bairro ao lado, observando as dinâmicas diversas que coabitam na metrópole. Ou sem sequer virar a esquina: dia desses eu percebi que não conhecia a “parte de cima” da minha avenida, sua arquitetura, seu comércio, seu emaranhado de céus e fios.

Quando sobra uma graninha, nem tanta, dá para esticar o horizonte. Como é o dia a dia de quem vive em uma cidade diferente, menor ou maior? Que discrepâncias compõem esse Brasil? Mais um pouco, cruzar uma fronteira, escutar outra língua, desconectar-se das notícias diárias e viver temporariamente vida de estrangeiro. Creio que essa é a ruptura total: mais do que o corpo, o cérebro descansa pleno, aliviado da rotina-prisão.

Confesso que sou um pouco chata: aonde quer que vá, preciso de cama macia e chuveiro quente. Mas isso pode ser mais barato do que se pensa, abrindo mão das chatices e encarnando o espírito viajante – aquele que valoriza mais a experiência do que os suvenires. No convexo, também há quem gaste muito para cruzar o mundo sem sair do lugar, mantendo as viseiras levantadas, em lugares pasteurizados e hotéis impessoais. É uma questão de gosto. No entanto, quando a gente viaja, seja atravessando continentes ou a fronteira do município, temos o privilégio raro de deixar momentaneamente nossa vida para trás, conhecer as rotinas alheias e, no contraponto, quebrar as grades de nossa cela. Por que não aproveitar?

Éramos três

Éramos três. Correa, Eduardo e eu. Aquelas tardes de outono me provocavam a fugir do trabalho para o bar habitual e pedir, solitária, uma bem gelada. Não se passava muito até chegar Correa, que depois de cinco anos na faculdade de Arquitetura pensava em trocar de curso. O encontro era certo: todos os dias ele passava por ali, e já nem sei se era eu ou a cerveja que, silenciosamente, o convidava a se juntar a mim.

Conversávamos, ríamos e bebíamos até o anoitecer, quando então Eduardo se aproximava, puxando a cadeira. E me beijava e me contava como tinha sido cansativo o dia de trabalho, recheando de detalhes do gênero. Depois íamos até o meu JK, onde jogávamos pôquer até chegar a madrugada. Eduardo por vezes ia embora, por vezes dormia comigo, no sofá-cama. Correa por vezes ia embora, por vezes dormia no colchonete, ao nosso lado. Quando Eduardo ia, Correa nunca ficava.

Eramos-tresQuarenta e sete dias e a cena se repetia. Eduardo alternando suas lamentações; Correa conversando, rindo e bebendo até o anoitecer, sorrindo mais a cada dia. Um dia Eduardo não apareceu. ‘Preciso viajar a negócios’, foi o que disse ao telefone, repentinamente. Correa então me acompanhou. Entrou e comigo sentou. Eu mal conseguia olhar para seus olhos. Achava que ele perceberia os pensamentos que eu não conseguia evitar. Acreditava que, se eu falasse, sentiria pela minha voz o quanto estava excitada. Assistimos um filme, depois outro. Seguimos a noite inteira, e eu esperando que o mesmo estivesse acontecendo com ele. E estava. Sabíamos que nos queríamos. E que se nos tocássemos, nos rasgaríamos – arrancaríamos nossa pele caso um dia parássemos de nos tocar. Sufocamos o que sentíamos.

Às 7h da manhã ouvimos o arrastar dos homens e o atropelo dos carros. Era o dia que insistia em se fundar. Nos encostamos e, em um ímpeto, nos abraçamos. Nos abraçamos sem parar… Sem coragem de sair dali. Qualquer movimento, um rosto inclinado… Estaríamos perdidos! Foi um abraço daqueles que não se esquece. Olhando para baixo, ele me puxou para junto de seu corpo, tirando minha roupa, mordendo meus seios. Eu o apertando e segurando sua mão suada, a cintura do homem que me penetrava. Não resistimos e, ao mesmo tempo, havíamos conseguido! Não nos olhamos nos olhos em respeito ao nosso Eduardo – seu amigo, meu namorado.

Saberíamos que não desgrudaríamos se nossos olhares se cruzassem. Eu, no entanto, jamais voltei a Eduardo. Quando este retornou, no dia seguinte, no horário de sempre, eu não o via da mesma forma. E enfaticamente comuniquei que não continuaríamos, que eu não podia mais tocá-lo. Disse que estava tudo acabado. Foi quando Correa chegou e então olhei para seus olhos. Chorava, olhando para o amigo. Uma arma na mão. Já não éramos três. E se não fôssemos nós, seríamos.

 

Foto: Kiel Latham/Stock.xchng

A lista

A-listaDias desses resolvi dar uma olhada, e atualizada, na minha lista. Que lista? Ué, a dos caras que eu já peguei nessa vida. Que atire a primeira pedra a mulher (ou homem, talvez) que já não anotou o nome dos ditos cujos, nem que tenha sido num guardanapo de mesa de bar, só pra tirar sarro com as amigas.

Na minha lista há as seguintes informações: nome, idade, data, local, se repetiu a ficada é registrado também, se transou tem uma marca especial.

E como a lista ficou parada alguns anos – não porque a fila não andou, é que perdi o costume mesmo de anotar –, resolvi atualizá-la e relembrar o passado. Me deparei com nomes de pessoas que não lembrava… ainda bem que eu colocava o local, porque sempre tem alguma amiga com a memória melhor do que a minha pra me ajudar a lembrar.

Sem contar que tem, também, um não-me-lembro-o-nome (e esse foi o nome que dei pra ele) que me fez rir muito. Ah! E tem outro que ganhou um nome fictício, porque ele me disse umas duas vezes e eu não entendi, então ficou por isso mesmo.

Observando a lista e fazendo cálculos estatísticos constatei que a quantidade é inversa à idade, ou seja, mais nova, mais beijos; mais velha, tudo diminui. Em quantidade, é claro; não em qualidade, que essa sim está numa boa média.

Comentando sobre a lista com algumas amigas descobri que a minha era muito simples, que algumas anotavam data de aniversário, telefone, profissão (ou, naquele tempo, em que ano estava na escola), se gostaria de ficar novamente. Outras fazem listas só dos que já transaram. Enfim, tem pra todos os estilos.

Um dado que me chamou a atenção é que ainda tenho contato com alguns caras que constam na lista: uns porque foram e sempre serão meus amigos; outros porque a gente segue se vendo pelos bares da vida; e aqueles outros porque quem sabe um dia a gente pode repetir a dose, agora com muito mais experiência.

Sei que há adolescentes lendo o blog: sugiro que todos façam suas listas. Agora pode parecer bobagem, mas no futuro valerá muitas risadas e ótimas recordações. Só, por favor, não escrevam a lista no computador, nem no celular, vamos usar papel e caneta enquanto eles ainda existem. Além de terem muito mais charme, dá gosto manusear as folhas amareladas pelo tempo e se deleitar com as nossas próprias memórias.

 

Foto: Paul Pasieczny/Stock.xchng

Bebês aos borbotões

Vem o Zé e me diz: “Ficar com mulher na faixa dos 30 é complicado… parece que todas vocês estão loucas pra parir!”. É, foi assim mesmo, a seco, que meu doce amigo tocou no assunto, tão complicado para a maior parte de nós, mulheres de 30 (e poucos).

Vou dizer o quê? Mentira não é. Até uns dois anos atrás, só uma entre as amigas próximas tinha filhos. Agora a gente espirra e surge um barrigão pela frente. A temporada de chás de fraldas já superou a de casamentos e formaturas (ah, bons tempos em que as formaturas faziam a agenda da estação!). Entre quem não tem prole, o assunto está sempre na pauta. Fulana quer ter, beltrana está tentando, sicrana ainda precisa achar um pai.

Bebes-aos-borbotoesO que não é justo, Zé, é vocês não entenderem o nosso lado. Toda mulher tem um reloginho por dentro, com um ponteiro que corre vertiginoso em direção aos 35 – idade mágica, o fim da linha para ter o primeiro bebê de forma segura. Tem também a cobrança social; a ginecologista, a psicóloga, a mãe, as amigas e até o papagaio nos perguntando: “Tá, e aí, vai ter filhos ou não?”. E os sonhos, ainda existem os sonhos: temos ideias idílicas de uma familinha perfeita, marido, filhos, cachorro e uma casa no subúrbio. Nem me prolongo no instinto maternal, que a palavra “instinto” já diz tudo.

A adolescência se expandiu, a vontade/necessidade de construir uma carreira tomou nosso tempo, a incompetência para manter relações estáveis adiou nossos planos. Chegamos aos 30 (e poucos), e o tempo subitamente começou a jogar contra. Ao contrário dos meninos, não podemos mais postergar a maturidade, é agora ou nunca. Não pense, Zé, que nós estamos “loucas pra parir” agora, justo agora. O que nos falta é opção.

Um último lembrete: também não é certo, meu amigo, dizer que todas estamos assim. Tenho amigas que nunca quiseram bebês em suas vidas. Outras decidiram há pouco tempo não ter filhos, ressalva feita se o príncipe encantado fizer esta exigência. Há também quem gradativamente perceba que não é possível brigar com a biologia e o destino: se não der, paciência, que esta não vai ser a única meta não realizada na vida.

Eu, que não gosto de pressões, sejam sociais, biológicas ou existenciais, arranjei um jeito de fugir da raia. Vou ficar esquentando a cabeça com a idade? Que nada. Com tanto bebezão precisando de mãe por aí, vou mesmo é pegar pra criar.

 

Foto: Daniel Jaeger Vendruscolo/Stock.xchng

Eu queria que fosse assim lá em casa

Existem várias formas de perdemos o controle de nossos atos: discussões sobre política e futebol, grandes bebedeiras, uso de psicotrópicos, clube de mulheres… já perdi o controle de todas estas formas, e com certeza a última foi uma das maneiras mais divertidas.

Nunca pensei em ir a um local desses, até que uma amiga resolveu fazer sua despedida de solteira. Então vamos, né?! Amiga é pra essas coisas.

Local sinistro, gente estranha, tudo meio escuro e uma musiquinha complicada, todas as meninas meio sem jeito, fazendo cara de paisagem, tomando sua cervejinha de canto, algumas só no refrigerante. A grande desculpa para estar ali era a grande amizade que nutriam pela noiva. Algumas disseram inclusive que não gostavam dessas coisas, homens dançando, se esfregando, que horror!

Eu-queria-que-fosse-assimEis que a luz muda e a música também. Uma voz no microfone anuncia a entrada dos “rapazes”. Lá vem o índio, o bombeiro, o cowboy, o africano, o mago, uns outros tantos e o noivo (que obviamente não era o noivo da minha amiga). Começaram dançando lá de longe, tão tímidos quanto nós. Curiosamente havia também um grupo de homens, sentados num canto, e várias meninas, obviamente fãs de carteirinha do local e dos “rapazes” em questão. E eu me perguntando: tá, e aí? Vão ficar longe assim? Acho que eles me ouviram, porque começaram a descer do palco um a um, fazendo sua “performance” e chegando cada vez mais perto da gente.

Daí sim a loucura começou: as meninas que antes estavam lá calmas e constrangidas começaram a perder a consciência, gritando, chamando os “rapazes”, escolhendo seu preferido, e eu só querendo saber se podia passar a mão neles. Ninguém prestava atenção nos rostos; nos corpos, sim, que estavam ali expostos querendo, pedindo um carinho. Foi só uma botar a mão para todas as outras copiarem o gesto. Eu que não sou boba nem nada não perdi tempo, passei a mão em todos, só faltei botar dinheiro na cueca. E vi que até as mais pudicas se esbaldaram nos corpinhos; as que “não gostavam” mudaram de ideia rapidinho. O conteúdo na cueca e a melhor barriguinha eram o assunto do grupo, quando a gente conseguia parar de gritar para trocar alguma informação.

Depois de muita dança, os rapazes deram um tempo. Nesse intervalo, surge uma mulher dançando totalmente nua (então entendi a presença do público masculino no local). Depois voltam ao recinto os “rapazes”, desta vez escolhendo meninas para irem ao palco. E não é que me chamaram?! Não pensei duas vezes e fui com tudo: descobri que lá no palco tudo ficava assim, digamos, mais exposto, mas tudo com muito respeito. O “meu rapaz” perguntou se eu me importaria em ver tudo mais de perto…me diverti horrores.

Depois de tudo terminado eles ficaram por ali, conversando como quem não quer nada, e descobri que, se a gente pagar, pode dar uma esticadinha na noite. Nessa hora segui só na minha cerveja. Ah, não: pagar pra transar definitivamente não é do meu estilo.

Ótima a experiência de ver como funciona esse mundo da libido assim escancarada, ver que todos têm fantasias. Não tenho tesão por bombeiros, magos ou coisa que o valha; mas gostaria de ver o meu homem, marido, namorado, ficante, seja qual for, ali dançando pra mim, sendo sensual pra mim. Se já aproveitei horrores pagando o ingresso, imagina se for de graça?

 

Foto: Mateusz Atroszko/Stock.xchng

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